Porque é que os profetas aparecem em culturas tão corruptas?

Por Tom Lyasght.

 

Jesus Cristo nasceu em Belém; no entanto, cresceu em Nazaré, uma localidade de má fama, segundo o Evangelho de São João:


Pode vir alguma coisa boa de Nazaré? (Jo 1:46)

Essa má reputação pode dar a entender que Deus escolheu esse local de nascimento para o Seu mensageiro divino, para demonstrar que a luz da revelação pode brilhar mesmo nas regiões mais sombrias.

Da mesma forma, Shoghi Effendi, na introdução à sua tradução da história inicial Bábi e Bahá’í, The Dawn Breakers, apresenta muitos pormenores para mostrar como a Pérsia (Irão) do século XIX, o local de nascimento do mais recente mensageiro divino Bahá’u’lláh, era uma nação atrasada, atormentada por práticas corruptas e fanatismos perversos.

Algumas nações sofrem de subdesenvolvimento ou de escassez de recursos, mas a Pérsia do século XIX permaneceu deliberadamente estagnada. As suas vaidades nacionalistas e religiosas criaram um sentimento presunçoso e pomposo de auto-satisfação entre governantes e clérigos, juntamente com uma rejeição obstinada da modernização. Como resultado, uma camada de imobilidade cobriu o país, enquanto uma paralisia de pensamento se apoderou dos persas, tanto de alta como de baixa condição.

A maior parte da estagnação da Pérsia resultou das atitudes e preconceitos dos sacerdotes Xiitas. Este clero todo-poderoso e corrupto mantinha um domínio completo sobre os persas comuns, desde o berço até ao túmulo. Além disso, segundo o dogma Xiita, o não-crente era considerado impuro. Assim, sendo vistos como uma fonte de poluição moral, os não-muçulmanos tinham de ser evitados a todo o custo. Os avanços científicos e culturais do Ocidente, porque vinham da Europa “infiel”, eram um paradoxo. Na altura, a Pérsia não tinha interesse nos caminhos-de-ferro, nos barcos a vapor e nas linhas de telégrafo dos não-crentes – ou em quaisquer ideias ocidentais “impuras”, muito menos na democracia.

No seu livro O Segredo da Civilização Divina, ‘Abdu’l-Bahá dirigiu-se assertivamente aos seus concidadãos persas, desafiando-os a irem além destas superstições e preconceitos enraizados:


Ó povo da Pérsia! Despertai do vosso sono embriagador! Erguei-vos da vossa letargia! Sede justos no vosso juízo: os ditames da honra permitirão que esta terra santa, outrora a fonte da civilização mundial, a fonte de glória e júbilo para toda a humanidade, a inveja do Oriente e do Ocidente, permaneça um objeto de desprezo, deplorada por todas as nações? Ela já foi o mais nobre dos povos: deixareis que a história contemporânea registe para sempre o estado degenerado actual? (p. 8)

Exacerbando esta arrogância intelectual infundada, o clero xiita da Pérsia exemplificou uma hipocrisia moral que até aprovou a degeneração sexual. Shoghi Effendi destacou a prática de negociações sexuais do sacerdócio xiita. Em cidades de peregrinação como Mashhad, o clero criou “casas de venda” onde os peregrinos podiam comprar uma esposa para passar a noite. Os clérigos cobravam uma taxa por este casamento temporário com uma “noiva comprada”. Depois da noite de prazer do cliente, os chamados homens santos xiitas cobravam uma taxa para divorciar o peregrino lascivo da sua consorte temporária, bem como uma taxa para a manutenção da esposa – até que ela “casasse” novamente. Leis “religiosas” elaboradas (sharia) legitimaram todos os aspectos desta prática vergonhosa, caracterizada por Shoghi Effendi como “dificilmente distinguível da quase-prostituição”. (The Promised Day is Come, p. 93)

Assim era a degradação da Pérsia quando o Báb e Bahá’u’lláh apareceram. Bahá’u’lláh dirigiu-se aos persas, aconselhando-os a “que nada vos entristeça”, porque:


… Deus escolheu-te como a fonte de júbilo para toda a humanidade… pois em ti nasceu o Manifestante da Sua glória… em breve o estado das coisas mudará no teu interior, e as rédeas do poder cairão nas mãos do povo… Aproxima-se o dia em que a tua agitação será transformada em paz e serena tranquilidade. (Epistle to the Son of the Wolf, ¶216)

Estes contrastes tremendos entre a cultura onde surge um profeta de Deus com a Sua nova mensagem sagrada realçam a contínua interação humana entre a luz e as trevas. Mas o amanhecer deve sempre superar a escuridão. Ao retratar tão vividamente os detalhes particulares da obscura atmosfera moral da Pérsia, os ensinamentos Bahá’ís mostram que para apreciar verdadeiramente os primeiros Bahá’ís é preciso compreender as trevas que eles romperam – não para nos perdermos nelas, mas para estarmos conscientes das forças das trevas que nos atacam continuamente. Shoghi Effendi descreveu precisamente como travar uma luta espiritual contra essas forças:


Plenamente conscientes da eficácia infalível do poder de Bahá’u’lláh, e armado com as armas essenciais da sábia contenção e da determinação inflexível, que [o crente] trave uma luta constante contra as tendências herdadas, os instintos corruptivos, as modas oscilantes, as falsas pretensões da sociedade em que vive e se move. (Bahá’í Administration, p. 130)

Shoghi Effendi traduziu a Narrativa de Nabil, essa descrição dramática do início da luta da Fé entre as forças da luz e das trevas, e intitulou-a The Dawn Breakers (Os Rompedores da Alvorada). No entanto, o estilo e o formato desse texto inspirador nem sempre estão acessíveis a todos. Em 1982, a Assembleia Espiritual Nacional dos Bahá’ís dos Estados Unidos sugeriu que fosse escrito um relato histórico popular sobre os primeiros dias da Fé. Embora eu tenha formação como dramaturgo, pouco depois comecei a pesquisar para tentar escrever um livro desse tipo.

Quase quatro décadas depois, o meu novo livro Persian Passion (Paixão Persa) tomou finalmente a forma de uma trilogia. O primeiro volume já está publicado. As duas personagens principais são os dois principais opositores da Revelação de Babi: o grão-vizir (primeiro-ministro) do xá e a esposa infiel do xá.

Um desejava a morte do Báb; o outro desejava a morte de Bahá’u’lláh. As suas intrigas sinistras conduzem os actos ignóbeis no primeiro plano do livro, enquanto nos bastidores o Báb e Bahá’u’lláh começam a lançar os primeiros raios da Sua luz que ilumina o mundo.


Persian Passion
(Paixão Persa) não é uma obra de ficção. Todos os detalhes do livro foram investigados meticulosamente e todas as personagens e eventos, pelo menos dentro das minhas capacidades, são historicamente precisos. No entanto, os leitores descobrirão que tem o ritmo e o enredo de um romance que narra os acontecimentos inspiradores de 1848, que provocaram as ondas de uma mudança evolutiva em todo o mundo.

Em Julho de 1848, o Báb proclamou ser o Prometido num julgamento público. Bahá’u’lláh incentivou os primeiros crentes na Conferência de Badasht, onde Tahirih retirou o véu e defendeu a emancipação das mulheres. O primeiro seguidor do Báb, Mulla Husayn, liderou um grupo de Bábis sob a bandeira do Prometido em direção à capital.

Pela primeira vez, num formato popular, os principais antagonistas da Revelação de Babi dão aos Rompedores da Alvorada um brilho ainda maior. Nos próximos dois artigos continuaremos esta breve introdução ao período heroico e dramático do início da história da Fé Bahá’í.


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Texto Original: Why Do Prophets Appear in Such Corrupt Cultures? (www.bahaiteachings.org)

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Tom Lysaght é autor de várias peças de teatro, nomeadamente “Heralds of the Covenant” (que foi exibida Durante o Congresso Mundial Bahá’í de 1992). Foi director da Radio Bahá’í do Lago Titcaca (Peru) e é autor do site Your Creative Stage que pretende lançar o teatro como instrumento de construção de comunidades.


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